As atividades de proteção de bens, serviços e instalações dos municípios, atribuídas às Guardas Municipais pelo parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição, são típicas da segurança pública
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta sexta-feira, 25/8, para declarar inconstitucionais todas as interpretações judiciais que não consideram as Guardas Municipais como integrantes do Susp (Sistema de Segurança Pública). A sessão virtual se encerra hoje às 23h59.
Contexto
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi ajuizada pela ANGM (Associação Nacional dos Guardas Municipais), que pedia a inclusão das Guardas no rol dos órgãos de segurança pública presente na Constituição. Segundo a organização de classe, há disputa jurídica sobre o tema, que pode resultar em contestações sobre a atuação das Guardas.
A lista da Constituição é composta por Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares, Corpos de Bombeiros Militares e polícias penais. O texto não prevê expressamente às Guardas os mesmos direitos e deveres dessas instituições.
O julgamento da ADPF foi retomado no último mês de junho e contou com os votos de todos os integrantes do STF à época. No entanto, houve empate: cinco ministros votaram a favor das Guardas na segurança pública, enquanto os outros entenderam que a ANGM não tinha legitimidade para propor a ação nem cumpriu os requisitos da petição inicial.
Assim, o julgamento foi suspenso para aguardar a posse do ministro Cristiano Zanin, que aconteceu somente no início deste mês de agosto. Agora, o mais novo integrante da Corte se juntou à primeira corrente e desempatou o julgamento.
Segurança municipal
Zanin acompanhou o voto do relator, Alexandre de Moraes — tal como fizeram Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Gimar Mendes. Para eles, o fato de as Guardas não estarem no rol da Constituição “não implica a desconfiguração do órgão como agente de segurança pública“.
No voto, Alexandre lembrou que, além das funções previstas na Constituição, a Lei 13.675/2018 “prevê expressamente as Guardas Municipais como órgãos de segurança pública“.
Divergência
Já o ministro Luiz Edson Fachin votou por não conhecer da ação. Ele lembrou que, dentre as entidades autorizadas a ajuizar ADPFs, estão as de classe. Conforme a jurisprudência do STF, tais entidades precisam demonstrar, de modo inequívoco, seu caráter nacional, e não somente por meio das declarações de seus estatutos. O magistrado não constatou documentação nesse sentido.
Além disso, as petições iniciais das ADPFs precisam indicar o ato questionado e provar a violação do preceito fundamental. De acordo com Fachin, a ANGM não apontou atos normativos ou decisões judiciais específicas.
O voto foi seguido por Rosa Weber, André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Cármen Lúcia. Estes três últimos ministros também votaram por reconhecer, caso a ação fosse conhecida, que as Guardas Municipais integram o sistema de segurança pública.
GCM em xeque
O julgamento ocorre em meio a uma série de decisões desfavoráveis às Guardas Municipais no Superior Tribunal de Justiça. As turmas da Corte vêm reconhecendo atuações ilegais dos guardas, que efetuam prisões em flagrante sustentadas por busca pessoal ou invasão de domicílio, o que contraria o escopo de atuação dessas instituições.
O tema já foi analisado no STJ, mas não de forma vinculante. Em agosto passado, o relator de um caso semelhante, ministro Rogerio Schietti, elaborou uma tese que delimita a atuação das Guardas e rechaça seu poder de polícia.
Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo da Constituição, a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do município — ou seja, não tem a mesma amplitude de atuação das polícias.
Segundo o ministro, as Polícias Civis e Militares estão sujeitas a um rígido controle externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma contrapartida ao exercício da força pública e do monopólio estatal da violência. Já as Guardas Municipais respondem apenas administrativamente aos prefeitos e às suas corregedorias internas.
Para Schietti, seria potencialmente caótico “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”.
O ministro do STJ ponderou, no entanto, que, “da mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também não são cidadãos comuns“. “Trata-se, em meu sentir, de agentes públicos com atribuição sui generis de segurança“, distinguiu.